Todos querem ser Golf. E isso é muito ruim. Ou não.


VW 308. Isso é muito ruim... Ou não!
"Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar". Esta frase de Nelson Rodrigues ilustra bem o tema do post. Aliás, só ilustra, pois a intenção aqui não é estabelecer juízo de valor ou chegar a uma conclusão. É apenas uma reflexão para pensar ao volante. Após isso, o leitor pode elaborar sua opinião. 
Escargot sabor chucrute.
Quem trabalha com marketing conhece a estratégia "follow the leader", em que aspectos como preço, posicionamento e design de um produto líder de mercado são usados como referência pela concorrência na criação de seu produto. Afinal, se alguém é líder é porque fez alguma coisa certa. E a concorrência, com razão, quer se aproximar ao máximo de uma fórmula de sucesso. E isso pode ser ruim, na medida em que os produtos ficam cada vez mais parecidos, na mesmice; ou muito bom, caso os "seguidores do líder" tentem não apenas igualar, mas superar o mais vendido, o mais desejado. Para isso, podem, por exemplo, criar um produto com a qualidade do líder, mas com o preço mais acessível. Kia e Hyundai são os melhores exemplos disso, especialmente no mercado europeu. 


Todo mundo se lembra da propaganda de lançamento do Azera no Brasil, onde o locutor, com mais "voz de locutor" que você já escutou, enaltecia as qualidades do Azera em relação a grandes nomes do mercado e no final falava o quanto isso custava menos no sedan da Hyundai. E a fórmula deu certo, com vendas expressivas para o segmento. Pudera, os últimos Azeras desta geração foram vendidos mais baratos que Corolla, mesmo sendo de duas categorias acima. Ou seja, a marca coreana superou os líderes, oferecendo aspectos tangíveis de qualidade a um preço inigualável. Isso com um design externo clássico, porém bem diferente dos concorrentes, e um interior agradável, com cores claras que destoavam do interior de luto da maioria dos sedans grandes vendidos no país. Ou seja, o Azera tinha personalidade. 
"Tiger Nose": de dentro da grade para a própria grade. 
Até a chegada de Peter Schreyer à Kia, todo mundo se lembra o quão insossos eram os carros da marca. O designer alemão trouxe a personalidade que faltava à marca. Isso foi tão importante que em 2012 ele foi nomeado um dos 3 presidentes da empresa e algumas semanas depois chefe de design também da Hyundai, outra marca do grupo. Em suas palavras, "no passado, os carros da Kia eram bem neutros. Quando você via um, não sabia ao certo se era coreano ou japonês. Penso que é muito importante que você seja capaz de reconhecer um Kia logo de cara". Este pensamento levou ao elemento "Tiger Nose" nos carros da Kia, que saíram de uma moldura interna da grade dos carros, para se tornar a moldura externa. Agora um Kia tem "cara de Kia", e ainda faz referência ao tigre, um animal que é ícone de força, beleza e agilidade. 
Kia Rio atual (acima) e anterior. Modelo antigo tinha design com mais personalidade. Atual tem mais "cara de carro".
Agora parece que o tigre quer jogar golfe. Mesmo não pertencendo ao mesmo segmento do hatch alemão, o Kia Rio mantém proporções bem parecidas e uma coluna C bem "golfiana", diferentemente da geração anterior, na minha opinião, muito mais interessante em termos de design - não que eu goste mais. 
i30 deve voltar às boas vendas mimetizando o Golf. Ou não...
Do mesmo grupo, o i30, concorrente direto do Golf, vai pelo mesmo caminho, mas disfarçou a coluna C com uma pequena área envidraçada. O painel de instrumentos, inclusive, parece ter vindo diretamente de Wolfsburg, no Kia Rio também. Justiça seja, feita, mesmo tendo painel de instrumentos "de Golf", o Kia Forte5 (para o brasileiro entender, é um Cerato Hatch) possui design externo bem diferente para um hatch médio. Sua variante, o Kia Ceed (modelo de porte similar, com pequenas alterações) possui um interior que se distância ainda mais da escola alemã. 
Impossível ficar indiferente ao Kia Cee´d.
Não são só coreanos que são fãs de Golf. Os mesmos franceses que criaram o Peugeot 206 fazem desde 2.014 seu próprio Golf, a geração atual do 308. Por dentro, não há nada de VW, mas por fora, troque o logotipo do leão por um "V" e um "W" e você vai entender o que eu estou dizendo. Se você colocar as versões perua de Golf e 308 lado a lado ficará ainda mais abismado. Coincidência ou não, seguindo o líder, a Peugeot conseguiu colocar seu modelo médio em 8º lugar entre os mais vendidos na Europa em 2015. Ranking que tem o que no topo? Sim, você adivinhou, o Golf. Nem o Ford Focus, que sempre vendeu bem no velho continente, figura entre os 10 primeiros colocados. 
Muito diferentes? A 308 possui os mesmos detalhes, só que mais arredondados.
Está faltando personalidade, mas não podemos negar que um design clássico, com "proporções de carro" agrada a maioria e cria grandes sucessos. Quer um exemplo? Quem já ouviu falar de Mazda3 e Nissan Pulsar. Só os doidos como eu. São dois modelos interessantíssimos no quesito design externo. Gostando ou não, é impossível ficar indiferente a eles. Mas não vendem tanto. E talvez o motivo seja essa falta de "cara de carro". Digo isso porque passei por uma situação interessante há alguns meses. Um amigo, proprietário de Golf na ocasião, conversando com a turma sobre qual carro comprar para substituir o seu, colocou como critério "não ter cara de nave". Traduzo isso como como buscar sobriedade, discrição. E as proporções de Golf não deixam na mão quem busca isso. 
Nissan Pulsar e Mazda3. Quem?
E não é só questão de gosto. Carros "caixotinho" tendem a ter um aproveitamento de espaço melhor, mais praticidade no interior devido a ausência de recortes externos, que poderiam se refletir internamente, e a vantagem de não chamar a atenção. Além disso, não envelhecem aos olhos do consumidor. Um Jetta será moderno por muito tempo. O Focus sedan MK2 ainda parece atual, diferentemente do MK3, que, por ser mais ousado, logo ficará velho. 
Clássico. E moderno por muito tempo ainda.
Chegar até uma fórmula e reproduzi-la pode ser muito ruim para a inovação. Imagine se  Alec Issigonis simplesmente fosse fazer um modelo com "cara de carro" da época quando criou o Mini. Ao não fazer isso, ele colocou o motor na transversal e criou o carro moderno. Por outro lado, me parece que ter "cara de carro" e proporções que trazem à mente a máxima "forma e função", atualmente, é uma excelente fórmula para se ter produtos que sejam sucessos de vendas. 
Insosso? Não. Sóbrio, discreto e com espaço maior que o atual.
Na época do Mini havia carros de massa com motor traseiro, dianteiro, refrigerado a água, a ar, tração dianteira, traseira, 3 cilindros, 4 cilindros, 4 tempos, 2 tempos. Hoje esta variabilidade acabou, com raras exceções, e a fórmula de design e funcionalidade do Golf parece ser o ápice (pelo menos no momento) do que um hatch médio deve ser, não cabendo muito espaço para invencionices e "caras de nave". 
Alec Issigonis e a fórmula do carro de massa moderno. 
Se por um lado a personalidade vai ficando menos presente, por outro os carros estão ficando semelhantemente bons. Um mundo com menos Alfas e mais Golfs vai ficar mais entendiante e menos emocionante. Mas isso só vai durar até a próxima fórmula aparecer, uma que cause tanto furor nos consumidores e na concorrência quanto Golf e Mini causaram. 








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Autor: Rodrigo Costa

Do ponto A ao ponto B, pensando na vida, no volante e tudo mais.

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